T R A G O A M I N H A Á R V O R E D E A Ç Ú C A R






















T R A G O A M I N H A Á R V O R E D E A Ç Ú C A R




P L A N T A D A N A P A L M A D A M I N H A M Ã O




Pequena doce criatura, branca e frágil, que trago comigo desde que nasci.
Suas raízes bebendo de meu sangue, e suas flores sobre o meu mundo,
pequenos flocos açucarados chovem do alto sobre o meu mundo. O mundo
inteiro e nada do mundo, na minha palma eu tenho.



Para
Heirloom, como eu havia prometido.




 



 



 



 



 



 



Seja
gentil, criança. Me mande

flores/frutos/emails
.



Muitas pessoas leram isto desde

01.01.2004
mas você é a mais especial delas.



 



 



 



 



 



ONTEM



 



 ...Conte-me
uma história que faça passar o tempo, em que cada palavra devore um minuto.
Entretenha meu espírito cansado e eu prometo acreditar em cada mentira que você
disser...





 





Costumava ser assim. E geralmente as coisas são assim. É... Mas as coisas mudam.



 



 




01.01.04



 



Bem vindo
ao meu livro dos dias, à arvore da vida, ou à merda que você escolher chamar
isso.



 



Nele você
vai ler minhas impressões/lembranças das coisas que eu fiz/vi os outros fazerem,
das coisas malucas que eu pensei e das pessoas com quem compartilhei
espaço/tempo/os dois enquanto o mundo rodava e rodava e rodava sem parar, assim
como se um grande homem, assim o velho Deus em pessoa, girando e girando e
girando uma laranja cheirosa e suculenta nos seus dentes gigantescos.



 



Não será
escrito como um diário/todos os dias, porque a vida não acontece todos os dias.
A vida são aqueles momentos desperdiçados entre um olhar e tudo o que poderia
ser então. São os dois ou três segundos em que você simplesmente respira e
percebe o mundo se movendo alguns milímetros bem debaixo dos seus pés. A vida é
tudo aquilo que eu quiser escrever aqui. Porque a vida é tudo aquilo que eu
plantar.



 



Existem
também algumas coisas que eu li/que me disseram. Quando eu lembrar de quem são
vou escrever os nomes. Essa coisa de direitos autorais e tudo o mais.



 



(...)

Certo. Agora, pendure seus frutos na árvore, Ustlaar. Como lindas bolas de
natal/torrões de açúcar. Brancos como a neve, frios como a chuva, doces como o
amor.



 



 





08.01.04



 



Lietz,
Cam-era, Aktion! Uma mise-en-scène...



 



Fiquei
extremamente chateado/entediado no recentemente-verde Manson's Room essa noite
passada, tentando explicar a diferença entre uma lounge e um night club pra uma
pilha de idiotas - que a Giovanna prefere chamar de novatinhos na terra-do-nunca
- garoto(a)s que ela conhece aqui e ali e começa a chamar de amigos, pra
substituir nós os velhos, que estamos sumindo aos poucos/indo embora aos poucos,
como ela costuma reclamar.



 



Então tive
que colocar um copo sujo na boca e beber dos mortos, apesar das prescrições
médicas. Não vou ser censurado se tomar um ou dois/três goles de absinto assim
assim. Só pra acordar algumas partes do cérebro que já estavam meio mortas/e
agora essa merda toda.



Mas...



 



Na semana
passada tive bastante tempo/falta do que fazer/algumas idéias voltaram pra
terminar o poema final do álbum VAUDEVILLE. A arte final e muito da colaboração
da Giovanna ainda estão por completar - assim que ela largar o copo e tirar um
dia ou dois pra desenhar as porras das figuras. Os detalhes do álbum e as
figuras que acompanham ele eu revelo em breve.



 



Depois das
três nós revimos o álbum com o Lucca - que vai tentar ser uma espécie de editor
- depois que os novatinhos foram pra cama. O João me mostrou suas novas
histórias/contos/frases soltas. Discutimos literatura ilegal, criamos alguma
literatura (Vou me disfarçar em um casaco de pele assim ninguém vai me
reconhecer...) ilegal e nos tornamos os melhores amigos dentro de meia garrafa
de absinto.



 



(...)

A enfermeira entra e me seda. "Posso ser seu namorado?"



"A escala
de Glasgow dele está um pouco topsy-turvy, Doutor!" ela grita.



O médico
sussurra: "Durma, garoto, durma... Logo logo tudo não passará de fumaça
pitoresca."



Ele sai do
quarto, parando pra ajeitar uma pintura de Van Gogh na parede e fecha a porta de
vidro. E tudo vai se apagando em sombras es v e  r  d  e   a  d   a   s   . 
.   .



 



 



09.01.04



 



Estou
acordado de novo. Já é hora
de...



 



Se o Chefão
Zé Boceta/Deus não te dá as chaves da vida, é melhor você ligar pro chaveiro e
pedir bem por favor favorzinho. Eu adoro a vida, mas ela tá cheia de merdas pra
se lidar. Então é importante levantar da cama, esticando o pescoço acima de tudo
o que faz da vida o que ela é. Mas não me sinto muito inclinado a discutir isso
hoje/agora.



 



Minha
cabeça parece meio quilo/750 gramas de carne moída. A mistura do absinto com os
comprimidos do Doutor é como o som de um relógio cuco batendo tic-tac tic-tac
tic-tac nos meus ouvidos. Algumas aspirinas devem amarrar esses cadarços pra nós
podermos dançar um pouco.



 



Minha
cabeça parece carne moída, ou eu já disse isso?


Tic-tac tic-tac tic-tac… Nina Simone, I Shall Be Released, no décimo-primeiro
volume.

Quem quer
ser meu par?



 




Enfermeira!...



 



(A) Fui prá
rua pra colocar minha cabeça no lugar e ver as lojas fechadas/as pessoas
andando.



(B) Estou
pensando num novo website pra MY DARK PLACES e até esbocei/escrevi algumas
linhas pra mostrar pro Lucca. Faz um tempo que ele tá fora do ar (o site).
Alguns poemas do VAUDEVILLE vão aparecer.



(C) De
repente eu percebi que os meus pés estavam me levando prá Fernanda. Meia volta
prá Halfeld e pros pensamentos de raiva. A essa hora minha gatinha dorminhoca
deve estar ronronando. Prrr.. prrr...



Eu volto
assim que parar de chover em mim.



 



Bom ver
vocês de novo. Por enquanto. Senti saudades.



 



(...)

Uma mosca com maquiagem de palhaço, sorrindo sentada num monte de bosta,
apontando um alfinete enferrujado pra um balão rinoceronte. Sou um cão que adoro
minhas pulgas.



  



 



11.01.04



 



Jovem
demais para morrer.



 



Hoje foi
melhor que ontem. Bom, as coisas estão se tornando mais fáceis à medida que não
chove tanto e eu me torno mais calmo/escuto menos Sabbath/procuro entender mais
os motivos pros trás(dentro) das atitudes das pessoas. Metade da raiva eu
descarrego em tiros de espingarda/arma de plasma em velhos e porcos mentalmente
dominados por ETs (Redneck Rampage, o melhor jogo pra computador que já
inventaram).             



 



Só uma
coisa me faz falta. Mas já que faz não vou falar sobre ela.



 



Três homens
estão jogando num bar, quando entra um outro dizendo que o mundo está acabando.
Bom, é mais ou menos assim a história, eu estava meio acordado/dormindo/ainda
sob o efeito do absinto quando vi na tv. Então o primeiro homem diz: "Vou correr
para a igreja!". O segundo homem diz: "Vou comprar uma caixa de whiskey e
algumas prostitutas e me esconder no hotel!". E o terceiro homem diz: "Vou
terminar o jogo." Bela filosofia de vida. Um filme de cowboys.



 



Se eu não
sonhei com isso no sofá. Então termine o jogo, Ustlaar. Faz parte da vida perder
ou ganhar às vezes.



 



Não
tente... se você tentar, vai se foder. Apenas faça.



– Giovanna



 



 



13.01.04



 



Música de
cinema. Suave e conhecida, pra ajudar a passar o tempo. Conversas sobre
nada/coisa nenhuma/inutilidades de garotas em revistinhas pra garotas. No último
dia antes do fim do mundo deviam tocar nas rádios. Música de cinema. E quando o
demônio/Jack Nicholson te olhasse com aquela expressão de tá fodido no rosto,
bem, talvez você se sentisse mais a vontade pra chorar.



          
             



Voei de
volta pra Manson's Room amarrado a uma garotinha de bochechas rosadas e olhos
azuis-claros. Ela me disse muitas coisas (Deus, como as crianças nessa idade
falam e perguntam coisas/querem saber de tudo!).



 



Histórias
de coelhos e líquidos em frascos BEBA-ME. Coisas desse tipo, bla, bla, bla, bla... Lagartas
sentadas em cogumelos fumando e dizendo bobagens.



 



Comprei uns
cds virgens mídia preta (dizem que é a melhor que existe e que pode ser
arranhada à vontade, em cem anos ou cento e cinqüenta as músicas continuam
gravadas com altíssima qualidade) pra gravar minha coleção do Radiohead. Todas
as músicas dos álbuns, mais os lados b, mais versões ao vivo, covers, etc, etc.
Duvido que alguém tenha uma coleção assim/nem Tom Yorke/nem ninguém. Só o velho
Ustlaar Coração-Partido. Presente de formatura. De: Mim, Para: Mim mesmo.



 



Vou estar
os próximos quatro dias na boa companhia do Doutor e sua enfermeira ruiva.
Portanto não esperem que eu os defenda perante o tribunal do Juízo Final.




 




(...)




Kill me Sarah. Kill me again with love...



 



 





18.01.05



 



Tarde cinza
e chuva. Ressaca de ontem.


Só isso.




 




Rain down, rain down, come on rain down on me




From a great height, from a great height... height...




Rain down, rain down, come on rain down on me




From a great height, from a great height... height...




Rain down, rain down




Come on rain down on me...                  




 




That's it, sir, you're leaving




The crackle of pigskin




The dust and the screaming




The yuppies networking




The panic, the vomit




The panic, the vomit




 




God loves his children, God loves his children, yeah!               



 



Moro numa
cidade feita de água, mas morro de sede de você.



 



 



25.01.04



 



Ahora cada
cosa que realizo ya no tiene tu aroma y puedo decir que no es necesario tenerte
conmigo, ya que la pena de perderte es casi imperceptible hoy...



 



Puedo pasar
un día entero sin tus sombras en mi vida y puedo sonreir sin fingir que quiero
hacerlo para engañarme a mi pretendiendo que soy feliz, porque ahora lo soy...



 



Talvez hoje
eu durma em Cuzco. No alto das montanhas, ao lado de uma princesa inca de
cabelos negros e macios como a noite.



 



Entrego
minhas ilusões ao ar e recebo vida em troca.



– Lizeth
Katheryn



 



 



27.01.05



 



O lado
brilhante da insônia...



 



Serpentes
batem na janela tap tap tap, "Onde está sua maçã? Onde está sua maçã?" Sonhos
estranhos com carne coberta de pele morena e quente que se move, músculos,
perfume. Calor, suor, coisas molhadas. Ah... ah... Serpentes e maçãs vermelhas e
perfumadas. "Onde está sua maçã? Onde está sua maçã?" E agora eu não consigo
dormir mais. Tap tap tap na janela...                  



 



A maneira
mais fácil de dormir à noite é acreditar que você não existe. Pode levar algum
tempo, e talvez seja mais difícil com a sua mente cantando nos bastidores.



– Tom Yorke



 



Eu te amo
de todo meu coração. Mas vê se não fode com tudo, tá?



– Fernanda,
por telefone                       



 



Eu só uso
essas coisas - livros, livros, tv, video-cassete/tv à noite, uma volta com uma
conhecida - para fazer uma escada e subir pra fora desse buraco que é o Inferno
em que eu caí tentando fazer a coisa certa/voltar pra casa.



 



Às vezes,
eu esqueço de parar de vez em quando e aproveitar como o Inferno pode ser bom se
eu conseguir superar o fedor do TÉDIO...



 



 



30.01.04



 



Sabe,
alguns dias no Inferno podem te deixar completamente maluco ou fazer você se
acostumar com o calor o tempo todo. É, a você, talvez, mas não a mim. Detesto
essa cidade pelo que ela faz comigo todos os dias, e por não poder fazer com ela
o que eu queria fazer todas as noites.



 



Então
passar algum tempo na Mason's Room na boa companhia dos meus velhos amigos
tristonhos pode fazer aliviar a dor...                   



Giovanna
Oi, sumido. O pessoal tá com saudade de você aqui. O que tem feito?



Ustlaar
Tenho tentado respirar mais. E você?



Giovanna
O de sempre. Tenho que te entregar seu Laranja Mecânica. Posso mandar pelo
correio se você quiser.



Ustlaar
Não tenho pressa. Gostou? E meus desenhos?



Giovanna
Os do Vaudeville tão todos prontos, Falta você ver quais vão entrar onde. O
Lucca não gostou de metade.



Ustlaar
Isso era de se esperar. Quando eu for aí você me mostra. Aí aproveito e pego meu
livro.



Giovanna
Aí aproveita e pega um beijo também...



Ustlaar
Você devia se comportar mais.



Giovanna
Você devia se comportar menos.



Ustlaar
Deixa seu namorado saber disso...



Giovanna
Ei! Se eu não puder zoar meus amigos, vou zoar quem? Você perde muito do seu
senso de humor quando fica longe da gente.



Ustlaar
Tudo bem.



Giovanna
E você, com quem tem andado?



Ustlaar
Sozinho. Deixei quem eu queria pra trás...



 



Chega dessa
merda de conversa, né...



 



Então eu me
sento na varanda e fico olhando o tornado nas montanhas verdes ao longe, jogando
tudo para cima num movimento como um mágico de oz. Parece que ele vai ficar lá
por algum tempo, então não tenho certeza se posso entrar e viver minha vida sem
que ele venha me jogar pra cima também.



 



(...)



A
enfermeira grita lá de dentro: "Iuu-huu...Está na hora do seu remédio!" 



 



Ahn...
sabia que tinha alcool no meio disso tudo...



– Luana



 



 



05.02.04



 



Enquanto
escrevo isto/tento dar à minha noite algum valor maior que dois centavos, estou
assistindo Pulp Fiction pela sei-lá-qualésima vez. Cheguei ao ponto de dizer as
falas antes dos atores, essa coisa de sempre fazer as mesmas coisas pra passar o
tempo. Como usar sempre uma mesma camisa que você gosta quando não sabe que
camisa usar. Isso me faz pensar numa frase que eu li outro dia:  



          
 



Saiba isto:
uma nova consciência inevitavelmente mata a velha. Uma das coisas mais dolorosas
que uma pessoa

pode
experimentar é a agonia da mudança.



– Marilyn
Manson



 



Ame, ame
tudo o que você tem a sua volta e tudo o que você quer de volta. Ame tudo aquilo
ou todo alguém que você possa amarrar aos seus pulsos pra levar pra sempre, até
que você esteja tão enrolado em suas cordas e barbantes e linhas, e esteja tão
confuso e embaraçado com tudo isso que não consiga escapar de amar tudo que tem.



– Heirloom,
numa linda carta que me fez chorar de verdade                   



 



Eu não fui
ao hospital hoje, então fiquei a tarde quente inteira trancado no meu quarto
desenhando uma figura inspirada num sonho mágico que eu tive numa dessas noites



 



Oooh, o
bebê está chorando. Acho melhor ir ver se ele caiu do berço de novo ou se só
precisa de mais um soco na fuça. Feliz dia de São Valentim pra todos vocês,
qualquer dia que tenha sido isso. Heirloom, obrigado pelo cartão.



 



 



07.02.04



 



Eu sabia
que essas noites quentes no inferno/trabalhando no fim de semana sem poder sair/assitindo
MTV demais iam acabar dando nisso. Eu não tenho mais quinze anos, porra! Tenho
que ligar pro doutor e pedir pra aumentar as doses dos remédios, principalmente
o azulzinho.



 



Sonhos
molhados com a Britney Spears dançando Toxic pra mim/em cima de mim/ahn... não
posso dizer o resto. Pele e músculos... Bom, ter que acordar cedo pra preparar a
mudança não tava nos meus planos e então a Britney saiu correndo catando as
roupas, com um sorriso beeeeem safadinho na cara quando olhou pra trás. Mas os
sonhos molhados são assim mesmo. Quando você tá quase conseguindo/a melhor parte
de tudo, então alguém/algum barulho/o filho da puta do cachorro que vai ficar
sem ração hoje te acorda e você não tira aquilo da cabeça o dia inteiro.



 




My loneliness is killing me




I must confess I stil
l
believe




When I'm not with you I lose my mind




Give me a sign




Hit me baby one more time...



          



 



08.02.04



 



Música é a
sonoplastia da vida. Momentos bons e ruins.



– João



 



Se chove no
inferno? Sim, com certeza, minhas crianças. E as gotas quando caem fazem tsss...
tsss... tsss... Liguei pro consultório do doutor ontem e ele concordou em
aumentar a dose do comprimido azul, e disse que uma dose de absinto no jantar
faz bem ao coração solitário. Aquela musiquinha de espera do telefone, depois
que a secretária diz "Só um minutinho por favor, sr. Ustlaar, vou ver se o
Doutor pode atender o senhor" Bishop's Robes, eu tenho certeza que era. Mas
fiquei com vergonha de perguntar.                    


 



Estou
doente/chateado com a vida/tem chovido de uma maneira muito melancólica desde
ontem. Minhas crianças, a música de fundo é do Radiohead, e de onde estou
sentado chove em mim. Gotas pequenas como flocos de açúcar e frias como nariz de
cachorro. Silêncio... duas cordas de violão soando suavemente através do ar
úmido/húmido. É com "h" ou sem?



 



Antídotos
para a solidão num aquário. Fácil de se lidar. Pareça seguro o tempo todo. Não
veja ninguém como rival. Cumprimente as pessoas que merecem ser cumprimentadas.
Coopere. Dê um pouco de si para uma pessoa diferente a cada dia. Desenvolva
coisas que ocupem suas mãos tanto quanto sua mente. Lembre-se de ser feliz com
as pessoas. Nunca chore sobre o leite derramado. O que está feito está feito. Se
nada disso funcionar, de seu aquário, volte-se para Deus te olhando do lado de
fora, e você vai descobrir que nunca esteve sozinho desde o começo.



 



Sem
surpresas. Por favor.                                 



 



 



12.02.04



 



Nada como
um bom copo duplo de leite quente com açúcar antes de dormir pra acalmar os
intestinos e trazer bons sonhos.



 



A garotinha
de bochechas rosadas e olhos azuis-claros voltou. Apareceu com um frasco na mão
BEBA-ME. Disse que me levaria através da porta pequena por onde o coelho tinha
entrado, mas tínhamos que nos apressar senão perderíamos o chá. "Cortem a cabeça
dela! Cortem a cabeça dela!" Eu tenho a faca e o queijo na mão, mas não, ainda
não é hora. Primeiro o chá com uma bela fatia de queijo e as perguntas curiosas
que ela me faz. "Trouxe sua maçã?" Hum... bem, talvez eu não precise mesmo
esperar pela hora certa. Afinal, qual é a hora certa pra se cortar a cabeça de
alguém?



 



(...)



Giovanna
É verdade o que eu li outro dia? Que se você corta a cabeça de uma pessoa a
cabeça ainda continua viva por alguns segundos?



Ustlaar
É. Onde leu isso?



Giovanna
Não lembro. Eu sei que diziam que você pode cortar a cabeça de uma pessoa e
depois mostrar pra ela o próprio corpo sem cabeça. Argh!...             



 



A garotinha
me leva pra brincar de casinha. Ela tem uma mesinha de brinquedo com uma boneca
com um chapéu esquisito e um coelhinho de pelúcia sentados. "Primeiro vá lavar
as mãos." ela sorri de um jeito muito estranho, muito estranho. (árvores de
plástico de mentira fazem zuum... zuum... com o vento) "Você é o papai, então
você serve nossos filhinhos." Ela sorri para os bonecos e me entrega a faca.
Gosto de leite e sangue na boca. Devo ter mordido minha língua enquanto dormia.



 



O sorriso
encontrou seu gato... Feche os olhos, criança. Vou te contar uma história e você
dorme, combinado? Logo depois do seu leite com açúcar. Era uma vez uma
garotinha. Seu nome era Alice...



 



 



21.02.04



 



Recebi
notícias de Heirloom
:
está tudo bem lá, a não ser pelo frio, pela tristeza que parece que flutua no
ar/dá pra sentir o cheiro. As pessoas são tão brancas, tão solitárias, tão elas
mesmas/ninguém mais. Tantas pessoas se suicidam lá, algumas garotas viram
lésbicas, e todos, todos sem exceção, as crianças, os adultos e os velhos, tem
uma cara de bobo com os narizes vermelhos. Ela se resfriou seis vezes já, nos
últimos meses. Pelo menos até o nariz dela ficar vermelho também e ela adquirir
aquela cara de bobo que todo mundo tem, e se tornar um deles/suicidar-se num
domingo a tarde depois de escutar Gloomy Sunday. É, isso tudo é tão
deprimente...



 



Suicidar-SE...
Por que não só suicidar? Por que o -se? Alguém pode suicidar outra pessoa?
Suicidar-te? Suicidar-vos? Aula de Português/Latim: sui:auto, a si mesmo, cidae:
matar, destruir.
"How
are things?" "Very well, thank you." e pula da ponte, direto na água fria do
rio... como é mesmo o nome? Bom, aquele rio frio que corta a cidade.



 



Só não se acostumou ainda com a
língua. Eles têm um alfabeto diferente, um jeito de falar completamente
diferente de tudo/do Inglês/do Alemão/beeeem diferente do Português/não se
parece com nada/bom, talvez seja élfico. O sistema decimal é diferente também
porque não é decimal. É duodecimal/quer dizer que tudo eles dividem em doze ou
seis partes. Isso principalmente no dinheiro, então você nunca sabe se está
levando prejuízo ou não. Mas ela disse que se eu for visitá-la vou gostar do
lugar/passar umas semanas. As garotas são muito bonitas/algumas delas, e ela vai
me levar pra conhecer um lugar chamado

Hjörleifshöfði (levei três minutos
completos marcados no relógio pra copiar essa merda de nome da carta pra aqui).



 



Vou
fazer questão de ir só pra ouvir ela dizer: "Agora vamos conhecer o
Hjörleifshöfði!" Duvido que exista alguém no mundo/aqui/lá que seja capaz de
pronunciar isso...



 



Me
desculpe, mas eu tenho que explodir. Explodir esse meu corpo. E acordar amanhã
completamente novo. Um pouco cansado, talvez, mas completamente novo.



– Björk



 



 



07.03.04



 



Estive
internado durante muito tempo/passei muito tempo na boa companhia do doutor e
sua enfermeira ruiva. Agora que faço parte do corpo clínico, que sou um dos
doutores também, tenho tido tão pouco tempo para mim mesmo, para ser somente um
dos pacientes mordendo a tinta cinza-claro descascada da parede.           
            



Mas a vida
tem passado/os dias têm passado/(a noite eu durmo não vejo porra nenhuma passar)
de modo melancólico e um pouco assustador, meio ao som de Last Flowers Till The
Hospital, meio ao som do meu pulmão psssh... fffff! psssh... fffff!



 



Então a
vida no Inferno não mudou muito, a não ser pelo detalhe de que agora sou um
deles/Herr Doktor Ustlaar/posso tomar meus próprios remédios/tenho minha própria
fatia do Inferno em meia garrafa de ... verde como o mar, quente como um beijo,
doce cabarééééé!... flick- flick- flick- Bosta de controle remoto. A pilha deve
estar fraca!                       



 



Você?... Ou
é só mais um sonho? Escutando Radiohead demais talvez. Possivelmente talvez.



 



Minhas
fotos antigas, minhas cartas, minhas saudades. Guarde naquela caixa que
combinamos ser nosso tesouro secreto, como presente de
aniversário/páscoa/natal/dia de São Valentim. Nossas lembranças de nossa vida um
dia. Meu beijo molhado na sua boca.



– Heirloom      



 



 





10.03.04



 



Olha que
coisa mais maluca: hoje de manhã, arrumando minha gaveta, encontrei esse pedaço
de papel, com um poema anotado. A letra é da Fernanda, mas as palavras não são
dela. Nem lembro se são minhas/não lembro se eu ditei isso pra ela/ela copiou de
algum lugar pra mim/ela ouviu em algum lugar/alguém deu isso a ela/tantas
possibilidades podem caber num pedaço de papel.



 



Li, reli,
liguei pra Fernanda no Rio e perguntei a ela. Ela disse que não se lembrava. Eu
disse que a letra era dela. Ela disse que talvez sim, mas não se lembrava mesmo.

Que merda! Bom, se alguém se lembrar me diz, eu digo pra ela, fica tudo
resolvido e eu posso jogar o papel fora, finalmente/não vou jogar fora uma coisa
que não se se é minha.Estava escrito:                     
 



 



(...)



Entrei na sala
e sentei-me. Fiquei à espera, ansioso por que entrasses e sorrisses, bonita,
vestida de candura e simplicidade
.
Tentei concentrar-me e memorizar cada momento, guardá-lo no meu íntimo para o
poder visitar quando desejasse. É o que faço neste momento: fecho os olhos,
vejo-te e ouço a tua voz. A minha alma cresceu ao ouvir o teu canto, e agora, ao
olhar o mar é a ti que eu vejo, mesmo sem te procurar. Gostava de, nas minhas
horas, poder olhar-te de relance, apenas o tempo suficiente para olhar e sentir
o que não se vê.



– Pedaço de
papel na minha gaveta, autor desconhecido (ainda).


(João, se isso for seu, e tem cara de que é, vamos trabalhar numa história, no
estilo da "Canção da Âncora", o que me diz? Se for seu).



 



 





13.03.04



 



Hafandi
eyrað í vasanum/Com os ouvidos nos bolsos. Dia quente, vento da manhã gelado.
Estômago ruim. Muito mel ultimamente. Muito mel e alguns comprimidos. Faringite.
Um pouco rouco e ouvindo as coisas abafadas. Como se tivesse mesmo os ouvidos
dentro dos bolsos.                       



 



Para matar
um demônio de pó de serra molhado: Este tipo de demônio é quase impossível de se
matar. A única maneira de se fazer isso é cobrir seu rosto com pão molhado e
golpear sua cabeça com um golpe de karatê. De outra forma você e seus amigos
estão bem encrencados. Demônios de pó de serra molhado gostam de aterrorizar.
P.S.: Derrubá-lo e sufocá-lo com o pão molhado funciona melhor, embora você
consiga bons resultados apenas jogando o pão no rosto dele.



VAUDEVILLE,
Capítulo 32.


(Colocar isso na página 33, depois do texto COMO DESAPARECER COMPLETAMENTE E
NUNCA SER ENCONTRADO NOVAMENTE) Usar um ou outro numa hora de necessidade como
essa.



 



 



02.04.04



 



Sabe, dizem
que antigamente, quer dizer, na época dos reis e rainhas, etc, as damas
ricas/que podiam esbanjar sua fortuna, pagavam os dentistas pra arrancar todos
seus dentes e colocar grandes pérolas no lugar. Imagine que coisa bizarra uma
pessoa sorri pra você e ela tem pérolas no lugar de dentes. Um sorriso
redondo/perolado. O pior devia ser engolir uma dessas coisas e ter de esperar
até cagar ela de volta pra colocar de novo na boca. Argh...             



Eu estou
bem. Como você está? Obrigado por perguntar, obrigado por perguntar. Mas eu
estou bem. E você? Espero que esteja bem também.



 



Pense em
como seria estranho adivinhar que o mundo não seria o mesmo se uma única pessoa
não existisse.                



No chão
frio da cozinha. Me sento quieto sentindo meu pulso:
Sobe-desce-sobe-desce-sobe-desce... Tentando imaginar como seria se ele de
repente parasse sem aviso: Sobe-desce-sobe-* Faço uma lista de coisas de que
preciso. Cubos de gelo. Radiohead. Livros e revistas para passar a tarde chuvosa
na cama. Pasta de dentes. Escova. Um pote de sorvete. Biscoitos. Um beijo seu,
doce como você sabe ser as vezes.



 (Para
minha nova gatinha, a quem agora dedico todo meu carinho e boa parte do meu
amor/tempo.)  



 



 



07.04.04



 



Preste
atenção:                        



 



Por muito
tempo eu tive medo, e esse medo me impediu de viver coisas ótimas e péssimas
(por que nunca se sabe/adivinhar não é tão simples o que vai acontecer quando
viramos a esquina/a porra da esquina escura):



 



(A) Por
medo de ser deixado, evitei e boicotei todos meus relacionamentos.



(B) Por
medo de perder amigos, me tranquei no quarto.



(C) Por
medo de não passar, não prestei vestibular.



(D) Por
medo de fracassar, não fiz planos.



(E) Por
medo de não ser compreendido, preferi me calar diante das pessoas.



(F) Por
medo de ser rejeitado, fui submisso e me trai até os mais profundos alicerces.



(G) Por
medo de amar, fiquei insensível.



 



E por
tantos medos até mesmo sem sentido, perdi boa parte dos meus vinte e poucos
anos. Por isso, a partir de agora, se for pra perder alguma coisa, que seja o
medo.



 



E o que
dizer dessa sensação estranha de não estar nunca dentro de sua própria pele/não
ser o rosto no espelho? Não deixe as pessoas dizerem que isso são pequenos
detalhes ou pontos secundários. Não torne suas irritações negligenciáveis,
oferecendo centenas de pequenos sacrifícios em sua própria presença. Estúpido!
As vezes a gangrena começa dos menores cortes.                        



 



 



08.04.04



 



Avisos de
sacos de papel (pra ser impresso em sacos de papel e distribuído nos
supermercados da cidade). Lado a: sopre dentro deste saco de papel, vá para casa
e pare de amolar as pessoas. Lado b: se alguém te aborrecer, estoure este saco
bem na cara do filho da mãe.



VAUDEVILLE,
Capítulo 17.         



 



 



12.04.04



 



O lado
brilhante da insônia, parte 2/continuação/o que o excesso de comprimidos pode
fazer com você/sua mente acordada nos bastidores:



 



A geladeira piscou pra mim. É
sério. Aparentemente, esqueci a porta aberta e agora ela está acendendo e
apagando sozinha. Estou com medo. Eu vi o filme da geladeira diabólica. Puta
merda, que medo! Vou chamar meu pai. Deus, não.



 



Vou é bater uma punheta e dormir
ouvindo Dandy Warhols.



 



Deve ser muito bom pra caralho!




Lady Averbuck






 





30.04.04



 



Você
precisa crescer garoto, e beber da fonte/beber da fonte/beber da fonte..........
novamente.                  



 



Depois de
algumas semanas longe de tudo/perdido entre as câmaras do inferno/trabalhando
muito pude voltar pra Mason's Room e rever a Giovanna. Alguns quilos mais magra,
alguns matizes mais branca, alguns copos mais ela mesma. Marcamos uma "reunião".
O Lucca foi, o João foi, todos os novatos foram. Marcelle foi sozinha dessa vez,
e a irmã do Eduardo (ninguém sabe o nome da garota, só que ela é a irmã do
Eduardo, aquela que todo mundo queria comer quando ela entrou pro grupo) Ops...
He he he.



 



E a
Fernanda não foi. Disse que não vai mais. Estava em Juiz de Fora. Saímos,
conversamos sobre os velhos tempos, sobre o que cada um tem feito sem o outro.
Uma espécie de avaliação da vida um do outro/não da nossa própria/que merda. Mas
não quis ir mesmo. Mandou um abraço pra todos, e o número novo prá Giovanna,
caso ela precise. "Ela vai acabar precisando de mim."                 



 



Uma outra
reunião, talvez. Mas a atmosfera era meio brilhante, sensação de não pertencer
mais àquilo/a eles/ser um dos novatos apesar de conhecer todos os cômodos da
casa, não apenas a Mason's Room. A idéia era vagar pelos dias vazios longe
deles, dizer como sou agora, o que faço agora. "Continua não fazendo a barba.
Isso é bom sinal. Significa que não mudou muito. pelo menos por fora, o que é
mais importante" Manter sempre o que é mais importante. Não se esquecer disso,
Ustlaar. E beber da fonte/beber da fonte/beber da fonte..........



 



 





30.04.04



 



Comentário
infeliz da Giovanna sobre eu dançar igual ao Dancing Baby/aquele descanso de
tela com um neném dançando assim, assim. Eu acho que se a gente não pode dizer
uma coisa legal, é melhor ficar calado.



 



Mas ontem,
apesar disso, fizemos/tivemos/escrevemos um filho. Filho nosso, do absinto, da
insônia e (grande mestre Dostoievski) da umidade do banheiro:



 



Eu flutuo
sobre a cidade. O ar abaixo de mim e em volta de mim me pressiona. Com os braços
e as pernas estendidos, um enorme X flutuando sobre a cidade sou eu. O vento das
nuvens cinzas e pesadas sopra forte em meus ouvidos. Tenho medo de cair. Cair e
morrer lá em baixo, no frio. Então eu chovo. Eu chovo em gotas. Pequenos pedaços
de mim começam a se desprender e cair. Gotas de mim mesmo
.
Me sinto despencar lá do alto, atravessando camadas de ar gelado, rápido, mais
rápido, mais rápido. Eu chovo em gotas. Mas ainda estou lá em cima, os braços e
as pernas abertos em X, e ao mesmo tempo estou em cada gota que cai de mim. Eu
chovo em gotas. Eu chovo em gotas. Eu chovo em gotas. Eu chovo em gotas. Uma
gota da ponta do meu sapato, outra da ponta do meu nariz, pedaços de mim mesmo,
minha pele, meu cabelo, meus olhos, atravessando o ar em direção ao chão. Eu
sinto o impacto do asfalto, do concreto das calçadas, dos telhados e dos carros,
e me desfaço numa agonia de dor, cada gota em gotas menores, uma dor
multiplicada por cem, por mil, por dez mil. Eu chovo em gotas. Eu chovo em
gotas. Eu chovo em gotas. Eu chovo em gotas. Quando eu parar de chover não serei
mais nada, não sobrará mais nada de mim além de uma unidade fria no ar e o vento
que sopra. Meu Deus, será que isso é morrer?                     



– Eu e
Giovanna, uma bela dupla quando ela usa a caneta em vez da língua do tamanho do
inferno que ela tem.



VAUDEVILLE,
Capítulo 11.         



 



08.05.04



 




Þakka Þér gud fyrir Godan dag.




Gleymdi eg einhverju? Hvad var ÞaÐ?




Ja nu man eg,




GuÐ blessi mig

/




O
brigado
Deus
,
por um dia bom
.




S
erá
que eu esqueci algo
?


O

que foi
?




Sim agora eu me lembro
.




Deus me abençoe.


– Pequena
oração pra se dizer antes de dormir, que eu levei quase duas semanas pra
traduzir pro islandês (é assim que se chama?) e mandar pra Heirloom. Se não
surtir nenhum efeito, pelo menos deve divertir muito os ouvidos de Deus/minha
pronúncia horrorosa que abalaria as colunas do Valhalla. Mas se a gente tem, Ele
deve ter também: tradução simultânea/aquele fone de ouvido engraçado que eles
usam nas reuniões da ONU.



 



 



13.05.04



 




All this, it's just shit. So why don't we grow some flowers in it?



– Charles
Manson



 




Interessante essa vida. Ficar sem conversar com as pessoas que são seus
hóspedes, ter que sair de casa por causa disso e não ter um lugar pra onde ir. É
uma situação chata e ao mesmo tempo ridícula, isso tudo. Bastante ridícula. O
Lucca e algumas xícaras de café quente/forte/com açúcar mascavo, meu preferido
devem me ajudar com isso. Podem tentar. Muitos minutos de conversa séria podem
até conseguir alguma coisa. Deve valer à pena uma tentativa.



Então chega
a hora de parar, respirar tão fundo que meus pulmões doem e ser outra pessoa/ser
outra pessoa/ser outra pessoa. Merda, não tenho mesmo outra alternativa:



 



Notas pra
uma personalidade: 1. Eu tenho personalidade, 2. Eu tenho coisas interessantes
pra dizer, 3. Eu conheço muitas pessoas, algumas das quais gostam bastante de
mim, 4. Duas frases numa revista, 5. Uma opinião imutável sobre algum assunto,
certa ou errada, tanto faz, 6. Ficar chateado com algumas coisas às vezes, pra
me mostrar preocupado com algumas questões, 7. Pensar que todo mundo é um filho
da puta só porque não tá triste como eu, 8. Essa chuva caindo nos meus olhos, 9.
Cortar o cabelo.



 



Se não der
certo: pelo menos eu tentei.  



                    
 



 





17.05.04




 




Grey drips down her so pale eyes. A grey teardrop, her soul’s sweat.




 




She stares at the so clouded sky as if she had never seen anything so beautiful
in her entire life before. She looks at the other girls her classmates and knows
that they also look at her with the very same confused frightened stares. They
could even come and tell her how stupid she is for this, or would treat her like
a strange. She doesn’t care though, because it is a small price to pay for the
few moments of painlessness that she gets from this.




 




And so she cries.




 




She knows that soon the haste of relief will be over, and soon or later the pain
will come back, as her eyes turn back to blue, then read the blackboard and read
the names written there again.




 




But the closed window will always be there whenever she needs it. A sight of the
greyer and the larger pale sky.




 




And so she sighs.




 




She sighs as she feels a teardrop on her cheek and swabs it with her hand.




 




It rains outside. Raindrops on the window glass.   



– Fernanda
(Inspirado em “Little Greyer Than The Sky”, escrito por mim, pela primeira vez,
na contracapa de um caderno. Então ela escreveu isso por baixo.)          



 



 





18.05.04



 



Me vejo
impresso numa máquina de xerox de novo e de novo e de novo e se eu não tomar
cuidado vou acabar olhando pra um borrão de tinta. Aviso: NÃO ME TOQUE ATÉ QUE
EU ESTEJA SECO.



 



A vida é oca como a toca de um
bebê sem cabeça.



 



 



19.05.04



 



Nessa tarde
cinza, quando eu saí pra ir ao açougue, de repente fui cercado por uma multidão
que dizia que eu podia voar. Perecia que um terrível engano havia sido cometido:
um jornal aqui da cidade publicou um artigo sobre um rapaz que realmente tem
esse talento, mas eles puseram minha foto no artigo. Eu não tinha idéia de como
o jornal conseguiu uma foto minha, mas esse era o menor dos meus problemas,
cercado como estava por todas aquelas pessoas.                   



 



Tentei me
explicar, mas a multidão não me deixaria partir até que eu demonstrasse meus
poderes incríveis. Por fim, cedi a eles e comecei a bater os braços e a pular o
mais alto que podia no ar frio e constrangedor. Isso durou por algum tempo e eu
comecei a temer que agora eles quisessem me bater por me fazer passar por uma
coisa que não era e tirar proveito disso como um charlatão. Mas eles começaram a
ir embora um a um, resmungando.



 



Agradecendo
minha estrela da sorte, eu corri de volta pra casa, chateado, nem me importando
com o bife que sonhava pro jantar. Mas agora à noite, sozinho no meu quarto, eu
tentei voar de novo. É um exercício inútil, mas bastante estimulante. Uma
espécie de polichinelo.



 



Boa noite,
doce príncipe. Que as asas do demônio te levem ao seu eterno descanso. Amém.



 



 



23.05.04



 



Uma carta
para minha amiga Heirloom. Há quanto tempo/quanta saudade/que merda de distância
é essa que nos separa.



 



Dear
Heirloom,



 




Life’s been hard being here by myself all the time. I miss you. You know, on
this side of the thing we call the earth, sun always shines and hot. And that’s
how days have been.




 




I’ve spent most of my precious time trying to be a doctor, or act as if I was
one. Helping people is good. Tré good. Takes most of my time but it’s good in
some ways.




 




Since I last wrote you few things have changed. It’s two months I don’t shave my
pretty face so people keep asking me if I have problems. Well, everybody does
but not everybody let them shown on their faces. As money don’t grow on trees,
problems don’t grow on a man’s beard.




 




I hope everything is okay. I hope you still can hear my prayers when I say them
to the sister star every night. Be sure I love you, specially when I’m lonely.




 




Dear Heirloom, life hurts. Most of the time.




 




Take care.




 




Your Ustlaar  




 



 



27.05.04



 



É meio
difícil explicar, então não vou nem tentar. Mas se alguém te encontra num bar e
pergunta se você é quem ele pensa que é, e então você responde, se você conhece
ele “Sou sim”, ou se não “Não sou não”. Mas de qualquer forma, uma vez que essa
pessoa pergunta é porque acha que sim. Então nesse momento você pode ser
qualquer coisa: sim ou não, só depende de você escolher ser você mesmo ou ser
outra pessoa. Sim ou não.



 



Ser outra
pessoa... Qual dos dois sou eu? Quem mais está aí? Vamos colocar dessa forma:
Quem tem as melhores respostas?



 



Eu acho que
nunca vou esquecer a primeira vez que nos encontramos, nem vou esquecer a
primeira vez que fizemos amor, no banheiro do quarto da Giovanna. Eu fecho os
olhos e ainda posso ver os azulejos brancos, a privada cor de leite, a silhueta
dele nua, sentado nela, com o brilho dourado da lâmpada de 40 watts nos seus
olhos vermelhos, castanhos, olhando pra mim com aquele olhar sereno, culpado.
Deitada ali no chão, meio enrolada na toalha de banho, eu só podia pensar que
grande homem ele era, fumando seu Camel Filters com tanto estilo, como num
filme. Eu sabia que aquela imagem iria durar pra sempre na minha cabeça, como um
retrato mudo dele, não importava o que aconteceria, pra sempre.



– Fernanda
(Copiado de seu diário, algum dia de 2002, com permissão)         



 



De volta à
história do bar/da Fernanda na verdade. Eu poderia ser qualquer pessoa. Qualquer
uma num milhão de possibilidades. Poderia ter sido o cara errado pra ela, estar
apenas esperando alguém. Poderia nem estar ali naquele dia. Mas eu escolhi ser
eu mesmo. E ser, a partir daquela noite, dela. Ou um ou outro e os dois às
vezes, quando ela pedia. Talvez por isso fui assim por tanto tempo. Ela também
foi. Mas “foi” é passado/não é merda nenhuma. “Foi” é bem diferente de “é”. Bem.



 



 



06.06.04



 



Como você
se sente, estando dentro de mim? Eu sinto você. Você pode me sentir? Não desista
ainda. Não agora que tudo começa a ficar interessante.



 



Eu fiz um
barquinho de papel e coloquei seu nome de Ivy. E fiquei sentado quase a tarde
inteira/enquanto chovia lá fora observando ele navegar na pia. Cheiro de xampu
de aloe vera.



 



Lembranças
da minha adolecência/meus dourados quatorze anos/minha Rainha do Foguete:



 




I see you standin' / Standin' on your own / It's such a lonely place for you /
For you to be / If you need a shoulder / Or if you need a friend / I'll be here
standing / Until the bitter end / No one needs the sorrow / No one needs the
pain / I hate to see you / Walking out there / Out in the rain / So don't
chastise me / Or think I, I mean you harm / Of those that take you / Leave you
strung out / Much too far / Baby-yeah




 




Don't ever leave me / Say you'll always be there / All I ever wanted / Was for
you / To know that I care




 



Onde ela
andará agora? Será que ainda é uma rainha? Uma Rainha do Foguete… He he he...
Merda nenhuma.



 



Hora de
dormir, crianças. E cada um sonhar com suas próprias rainhas, foguetes, ou com
os anjos. Tanto faz se você está no céu de uma forma ou de outra. O importante é
estar em boa companhia. Amém.



 



 



10.06.04



 



A tua
presença entra pelos sete buracos da minha cabeça

A tua presença, pelos olhos, boca, narinas e orelhas...



– Ninguém
pode dizer que eu nunca ouvi Caetano. Resisti bravamente durante todo o período
junto com a Fernanda. Mas um belo dia a gente tem uma recaída, né/que desculpa
esfarrapada, Ustlaar (ela com a mão na cintura batendo o pezinho no chão tep tep
tep).



 



 



19.06.04



 



Escute...



 



Era um
belíssimo cão. Pequeno, de pernas curtas, de pelo longo e abundante. Negro.
Caprichosamente negro e sedoso. Seu nome era Cetim. E corria, e pulava contente.
E ria um riso desajeitado porém sincero, riso de cachorro.

 



Tudo
auscultava, tudo cheirava e focinhava e farejava com tão ávida curiosidade,
metendo-se nos cantos do terreiro à caça de osguinhas e insetos com que pudesse
brincar. E latia, e espirrava. E raspava o chão com suas patas ligeiras assim e
assim.

 



Sempre
vivia atrás de seu dono, bisbilhotando sempre o que este fazia. E ficava ali
sentado, o lindo Cetim, como se tomasse aprendizado em tudo com que seu dono se
ocupava. Às vezes se levantava rápido e vinha farejar de perto seu trabalho,
atrapalhando-o, ou olhava com um olhar compenetrado, como se entendesse muito
bem o que ele fazia, ou então soltava um latido indignado, e batia com as patas
no chão, requerendo uma boa explicação para tudo.

 



E gemia, e
resmungava, e se espreguiçava todo no chão. Depois corria ao encontro de seu
dono, rebolando o quadril e pulando, fazendo magníficas piruetas, balançando a
calda no ar. E arfava, e latia, pulando nos joelhos de seu dono.

 



Depois
dormia, exausto de tanto pular. Mexia e remexia até se acomodar. E sonhava
tranqüilo, o pequeno cão.


– Uma
história que eu escrevi há muito tempo, pro meu cachorrinho. E ele nunca
leu/morreu alguns meses antes de eu me mudar pra cá, mais ou menos nessa época
do ano, então deve ser aniversário da morte dele. Se a gente se lembra desse
jeito das pessoas, por que não dos cachorros (é cachôrros ou cachórros?), já que
tudo vira pó e osso? Osso, cachorro, entendeu?



 



 



27.10.04



 



Hoje
conheci um anjo. E no meio do Inferno duas chamas azuis cintilaram. Shaft!
Shaft! Se tudo der certo vou me apaixonar, e esquecer vocês por um longo tempo,
crianças. Um anjo perdido no inferno, isso não é uma coisa que se vê todo dia.



 



 



28.10.04



 




Ultimamente, eu me pego lá fora olhando as estrelas/ouvindo guitarras, como
alguém apaixonado.





Às vezes as coisas que faço me espantam (geralmente toda hora que você está
perto de mim).





Ultimamente eu pareço estar andando como se tivesse asas/eu bato nas coisas,
derrubo, como alguém apaixonado



Às vezes as coisas que faço me espantam (geralmente toda hora que eu estou perto
de você).





Cada vez que olho para você fico mole como uma luva


– Pequeno
poema/oração/canto para um anjo que eu conheci ontem.



 



 



30.10.04



 



Coração,
cabeça e estômago/uma bela poesia dedicada ao meu anjo.



 




Por que às vezes o coração fala coisas que não deveriam ser descobertas? Se eu
estivesse me dominando naquele momento ela nunca saberia de nada. Merda de
coração! O problema é o coração? As pessoas comuns têm coração. Muitas vezes eu
esqueço que eu também tenho um. Ser uma pessoa inconseqüente e perder a cabaça
seria a solução. Merda de coração, de cabeça! Estranhamente eu não estou
arrependido, não tanto quanto deveria. E estou pouco cagando pra isso tudo agora
que não tenho mais por onde fugir dela. Merda de coração, de cabeça, de
estômago!



 



 



01.11.04



 



Goodbye,
Caroline, para todo o sempre e nunca mais. Me cansei de ser nós/eu e você.
Decidi ser nós/eu só eu. Goodbye, Caroline, e uma dose de absinto seja nosso
brinde de adeus/meu beijo molhado na sua boca. E uma música suave no fim da
tarde pra lembrarmos que um dia fomos nós/dois/juntos. Goodbye, Caroline. Não te
esquecerei ainda nem nunca mais. Não, se você prometer nunca mais me esquecer



 



 



02.11.04



 



Um pequeno
estudo sobre o choro. Caso alguém precise um dia/como eu precisei.



 



Deixando de
lado os motivos, atenhamo-nos à maneira correta de chorar, entendendo por isso
um choro que não penetre no escândalo, que não insulte o sorriso com sua
semelhança desajeitada e paralela.



 



O choro
médio ou comum consiste numa contração geral do rosto e num som espasmódico
acompanhado de lágrimas e muco (este no fim, pois o choro acaba no momento em
que a gente se assoa energeticamente).



 



Para
chorar, dirija a imaginação a você mesmo e se isto lhe for impossível por ter
adquirido o hábito de acreditar no mundo exterior, pense num pato coberto de
formigas e nesses golfos do estreito de Magalhães nos quais não entram ninguém.
Nunca. Quando o choro chegar, você cobrirá o rosto com delicadeza, usando ambas
as mãos com a palma para dentro.



 



As crianças
choraram esfregando a manga do casaco na cara, e de preferência num canto do
quarto.



 



Duração
média do choro, três minutos.



– Julio
Cortazar, pregado na parede.



VAUDEVILLE,
Capítulo 53.         



 



 



14.11.04



 



Uma
condição,



somente uma
condição.



E deixo
tudo, quase tudo - quase nada.



Não me
esqueça,



que eu não
esqueço



de você.



Leia e
lembre-se sempre,



sempre de
mim.





Foi deixado guardado esperando esse momento, que vai do coração, até cabeça e
estômago. Sabia que não saberia que era para guardar, mas como sabia que não
saberia, guardou. E assim tornou-lhe especial.



– Marina
Morena (um sonho)    



 



 



30.12.04



 



Dedos:



 



Pouco tempo
depois de eu me mudar pra esse novo apartamento recebi uma correspondência de um
velho amigo meu que não via há muito tempo. Da época da escola ou do colégio/se
estudamos mesmo tanto tempo juntos. Na carta ele me dizia que estava muito
decepcionado co a vida e com os muitos problemas que ele estava tendo com a
família, o emprego, essa coisa toda.



 



O que mais
me deixou espantado foi que no final da carta ele dizia que se ele não recebesse
uma resposta pra aquela carta, ele iria, sem arrependimento nenhum, cortar fora
um dos dedos da mão.



 



Então
passaram-se alguns dias, cheios de problemas e tarefas pra cumprir, até que um
pequeno pacote chegou. O remetente indicava que era do meu amigo. Minhas mãos
tremiam quando eu tentava abrir a merda do pacote. Quando consegui rasgar o
papel pardo, havia uma pequena caixa, com um selo dentro. Mas fora isso, estava
vazia. Um sentimento de alívio percorreu meu pescoço e o meu rosto como um banho
quente e pensei que aquilo na verdade não passaria de uma grande piada de mal
gosto.



 



Uma semana
depois, um outro pacote idêntico chegou. Também estava vazio a não ser pelo
selo. Na outra semana outro, e mais outro. Então insisti comigo mesmo que
deveria me lembrar de escrever de volta pro mau amigo. Mas os dias foram
passando cheios, e hoje de manhã descobri que eu tinha dez pacotes iguais. Foi
aí que decidi o que deveria fazer.



 



Depois de
tomar coragem, usei minha mão esquerda pra cortar três dedos da direita. Com os
dois que sobraram, cortei todos os dedos da mão esquerda. Nunca vi tanto sangue
nem tanta dor juntos, e foi com muita dificuldade que consegui fazer os pacotes
e colar os selos, endereçar, etc.



 



Com oito
pacotes prontos, e segurando a faca com meu indicador e polegar que sobraram,
olhei desapontado pras duas caixas que faltaram. Como sempre, é a minha
inabilidade para completar as coisas que me torna infeliz.



 



 



01.01.05



 



O pequeno
homem está sendo apagado agora. Todas as evidências estão sendo apagadas. Todas
as fitas apagadas. Assim. Assim. Assim. Como um velho disco de vinil com a
agulha quebrada. Assim. Assim. E para sempre/todo o sempre/a merda da eternidade
inteira o pequeno homem será apagado. Assim. Apenas uma sombra marcará o lugar
onde antes existia eu. Agora ainda existo eu. Só que bem outro/uma mudança ou
duas e você se torna outra pessoa e deixa um lugar vazio/o último dia do livro
dos dias/a última página dessa história.



 



Sentado no
frio comendo um chocolate Smooth Delight. O chão molhado da chuva fina que caiu
há alguns minutos. O cheiro de pétalas de rosas brancas mortas... Coisas para
fazer/coisas para comprar/ou ir à biblioteca. Já plantei minha árvore, já
escrevi meu livro. Agora só falta um filho. É o que dizem, não é? Viver a vida e
tudo mais. Talvez até morrer qualquer dia
desses. Quem sabe? Mas agora eu tenho que ir.

Enquanto
isso o mundo roda e roda e roda sem parar, assim como se um grande homem, assim
o velho Deus em pessoa, girando e girando e girando uma laranja cheirosa e
suculenta nos seus dentes gigantescos...



 



Até,
quem sabe, uma dia. Foi muito bom estar aqui na chuva. Foi muito bom mesmo,
estar aqui com vocês. Cuidem-se crianças. Rezem a noite: Þakka Þér gud fyrir
Godan dag... etc, etc. Sentiremos saudade um do outro, ou não sentiremos nada. Quem sabe? Até, quem
sabe, amanhã... Se as coisas mudam mesmo.



 



E agora
essa merda toda!...



– Fernanda,
impagável, do começo ao fim/nal.



 



 



AMANHÃ



 



 ...Agora
eu te dobro, meu bêbado, meu navegador, meu primeiro guardião perdido, para amar
ou contemplar mais tarde...





 



 



 



  



 



 



  



 



 



 



 



 




Copyright 2004 © Ustlaar & The Old Oak Society.